Artigo Avulso 📄 Dar Sinais De Vida: Uma Odisseia No Tempo

Desde o momento em que nascemos damos sinais de vida. Quando isso não acontece, quando o bebê não chora, por exemplo, denota que algo não vai bem - denota que algo não vai nada bem. Ao longo do tempo, esse sinal vai-se transformando, se complexificando em socializações diversas. Pegou-me de surpresa que um capítulo sobre a instagramização da vida neste livro me remetesse a um e-book da sociedade do espetáculo que estava guardado em alguma memória aqui para ser lido. No outro lado do pensamento sobre absurdo qualquer, não pude deixar de pensar que hoje muitos dos modos de se mostrar vida atravessam o horizonte do espetáculo.

Mas você ia dizendo insta- o quê porquoi que que vem ao caso? Anna Bentes diz lá no texto “instagramização”. Havia restaurantes, por exemplo, que para o criativo do design de interiores considerariam se o local estaria instagrameável o bastante, se seria um bom lugar para tirar as fotos, por celular mesmo, que passariam pelos filtros do instagram e chegariam às casas de milhares de pessoas, quem sabe. Isso é um pequeníssimo exemplo dentro do que a instagramização, facebooquização, bloguerização (*olhando para cima e para os lados nervosamente*) da vida poderia significar. E hoje ao espetáculo se acrescentam os números. Número de corações, número de palmas, número de likes. 

😮 Iheartização, mediumização. Tsc tsc. - M. Costa balbucia. 🙄

 

Sociedade do Espetáculo, o e-book que queria ler, é tão antigo que hoje é possível encontrar gratuito por aí, como se já tivesse virado algo de domínio público, se já não virou. Ele foi escrito há tempo o suficiente para não chamá-lo de contemporâneo, no entanto, falasse da aristocracia ou não, nós o resgatamos. Porque se o espetáculo como forma de vida e de se mostrar vida é tão antigo quanto a sociedade, hoje ele ainda está presente, e na velocidade de um clique. Meus bons jovens de Agosto, Setembro ou Novembro e quaisquer outros meses, esse mundo é veloz para vocês e dotado de algarismos informativos “statumizantes”. 

É verdade que nem todo mundo gosta dessas coisas. Como diriam no “Smartphone: O Novo Cigarro”, da Superinteressante, há artifícios de recompensa comportamental nos dispositivos, nos likes, nas recomendações múltiplas que alguém poderia receber, na socialização infindável que se oferece ali na virtualidade – infindável e pouco aplacável da solidão. Mas nem todo mundo gosta dessas coisas.

Eu sou da época dos sem-número e acho tudo ainda muito estranho. Os sem-número quando está chovendo, arriscam deixar as duas mãos tomarem um pouco de banho de chuva.

"O cheiro depois da chuva". Clique para ir à fonte da imagem.

Os sem-número sabem que o namorado gosta de beijo francês e respeitam isso sem necessariamente fazer uma selfie disso. Os sem-número vão fazer parte do espetáculo de vez em quando pelo click, vão fazer a sua apresentação pessoal online de vez em quando como parte de uma formalidade ou por requisito inadiável - ok, talvez não tão de vez em quando -, não se sentindo desconfortáveis em largar o novo cigarro pra ir tomar banho de chuva, por exemplo. Os sem-número se escandalizam com a vida real e vão orar por isso ou criar uma ong, ou virar voluntário, bombeiro. Os sem-número somos praticamente todos nós quando não estamos esperando pela próxima recompensa ou pelo próximo like, porque no fundo todo mundo sabe que os sinais de vida são, na essência, um coração batendo, pulmão processando ar, alguns pulos na cama elástica, as idiossincrasias manifestas nos toques, alongar os braços pela manhã, o paladar, oh sim, o paladar funcionando na hora do almoço.

Espero que isto encontre não só você mas todos os seus bem. s3 

26.08.2020